terça-feira, 13 de maio de 2008

Somos todos miseráveis - Por Gabriela Valente

A questão da miséria no Brasil está sendo tratada sem a profundidade que merece. Hoje, em cada sinal que paramos, somos abordados por lavadores de carro, malabaristas, crianças que brincam com fogo, e tudo isso por uma moedinha. Os meninos de rua não têm o menor espaço na sociedade, eles não têm visibilidade, expressão social. E uma das maneiras que eles encontram para aparecerem e serem vistos acaba sendo exatamente essa. Mas a elite que pára nesses sinais não se choca mais com esses meninos artistas, com esses meninos que imploram por dez centavos.

A situação nunca vai se resolver com essa elite que é e quer ser isenta do problema, que prefere continuar cega a se sentir cobrada e cutucada por um problema que também é dela. Alguns acabam dando esmola na esperança de uma salvação, essa que não vai vir nunca. Esses miseráveis nos forçam a uma reflexão que não queremos fazer ou que não estamos preparados. Mas apesar de ignorados, os miseráveis se recusam a desaparecer e ficam martelando cada vez mais nossa mente e servindo de vitrine a nossos olhos.

E o erro dos que tentam acabar com esse estado de pobreza é achar que ela se instala do lado de fora da nossa vida. Mas nós fazemos parte dela. O problema é pensar que assistencialismo resolve, mas a miséria tem sido tão ingrata com o PT que “se recusa a comer o Fome Zero” e acaba por também demonstrar a ineficiência do Bolsa Família. Muito pior que essa miséria que tem como verdadeira causa o sistema estrutural é a miséria na mente dos que têm tudo para melhorar a situação e não o fazem. E como disse Arnaldo Jabor em seu livro Pornô Política, “Hoje sabemos que não há nem futuro e nem chegada, só caminho”. Vamos em frente.

2 comentários:

Anônimo disse...

Enche-me os olhos de lágrima saber das pequenas coisas cheias de sentido que acontecem por essa vida e se perdem na alheia insensibilidade dos homens:

Aposto

Semana passada Laura estava parada no sinal da Rui Barbosa em frente ao colégio onde estudara, o São Luís. Estranhamente, seu carro era o único parado ali, pois era horário de rush. Ela pensava em tudo o que já fizera em sua vida e tentava espantar sua raiva com uma leve nostalgia. Tivera uma manhã de cão. Carta do vizinho reclamando batida em seu carro, cobrança no trabalho. Ela estava abusada de ser forte, queria desabafar, jogar-se nos braços de alguém, mas era preciso continuar sendo forte. Sua atenção foi desviada para uns movimentos elétricos de um pequeno malabarista de rua que não passava dos seus sete anos. Irritada, resolveu entreter-se com a exibição que já ia pela metade. A sensação de sem sentido, de insatisfação, foi perturbada pela convicção que o menino tinha em equilibrar os malabares. Todos os pensamentos do garoto estavam concentrados em manter oito bolas em diferentes pontos do espaço. Seus dedos curtos não justificavam tamanha harmonia. Havia de existir algo mais. Esse algo mais foi o seu refúgio. Laura perturbava-se com a insistente tentativa do malabarista de encontrar seus olhos. Buscara, ele, aprovação? Ela odiava-o por estar rindo ao mesmo tempo em que exercia impossível tarefa e ainda tinha a ousadia de invoca-la a participar, ser conivente com aquele absurdo. Ele não sentia fome, cansaço? Era meio-dia. Laura furtivamente começou a cobiçar a vivacidade colorida daquela criança que talvez já não tivesse mais inocência ou pais. Sentiu sua face rubra. Era o abraço que ela buscava. Sentiu tremores. Mas manteve seu olhar firme, era orgulhosa, não seria intimidada por alguém que não chegava na sua cintura. O espetáculo chegara ao fim após um rodopio seguido de uma fisgada veloz na última bolinha. Neste instante, Laura cedeu. Libertou-se em aplausos e abriu um sorriso grande. Sem pudor, permitiu que o menino olhasse longamente seus dentões, privilégio concedido a poucos. Houve um pacto. Ele pareceu aliviado e abaixou-se, fazendo um movimento de agradecimento. Os medos se dissiparam no vapor rebatido pelo asfalto. Laura voltou a si. Buzinas frenéticas. Transeuntes e bicicletas olhavam. Não ligou, procurava seu cúmplice em meio ao tumulto da vida banal. O garoto já se recolhia quando ela gritou enquanto abria o vidro. Jogou os malabares dentro de uma caixa de papelão e correu para Laura. Apoiou as mãozinhas no vidro sem receio. Ambos riam. Em tom confidencial ela perguntou o que gostaria de ganhar de natal, qual brinquedo. Talvez o homem-aranha ou uma bola de futebol. Não. Era uma nova fantasia de palhaço. Era a farda do seu ofício de homem. Era o desejo da sua alma de menino. Laura pisou no acelerador sem parar. Negava-se a olhar o retrovisor. Deixara para trás seus segredos, e não queria saber se na mão de um anjo ou de seus próprios medos.

Fim do aposto

Anônimo disse...

Muito bom o seu texto, Big! Muito bom, também, o relato aí de cima.
Beijo!