terça-feira, 2 de setembro de 2008

A China das Boas Mulheres - por Laura Gallindo


Uma coisa é ler As Boas Mulheres da China como ser humano, outra enquanto mulher. Inominável quando se é os dois. Os relatos transcritos pela coragem e sensibilidade da jornalista chinesa, Xiran, incomodam, assombram, desenterram de uma revolução não suas vitórias ou os seus belos trajes ideológicos, mas sim os pecados de homens que morreram sem conhecer as suas rosas. Estas foram as mulheres chinesas, que durante a Revolução Cultural ficaram à margem até dos males que os tempos de guerra trazem. Elas não alcançaram nem o sofrimento cabível ao corpo, pois este nunca as pertenceu. Foram mulheres sem brio, sem feminilidade, sem alegria. Diria até, sem pátria.
São as chinesas da década de 90, nossas contemporâneas, aquelas que ainda (sobre)vivem nesse mesmo mundo onde homens já foram à lua e cientistas usam partículas invisíveis a olho nu para fazer explodir cidades inteiras. Da lua fica o brilho e das invisíveis partículas a guerra, uma rotina para essas mulheres, que vivem do carinho de uma mosca, do medo de um marido ou do seu próprio corpo, do seu sexo, que lhes pode ser expropriado como suporte para o infame prazer dos ‘‘machos’’ imberbes de uma revolução forjada.
É impossível não comungar do sentimento desesperador que rasgou a alma dessas mulheres que chegaram a conhecer ‘‘dias dourados’’, quando a dor ainda não era anunciada e acreditava-se na paixão entre adolescentes. De Nanquim para o mundo, usando o rádio, Xiran viveu por uma missão que até Cartola duvidou: fazer as rosas falarem. E o mundo calar enquanto elas choram lágrimas tardiamente derramadas, mas que exalam um perfume que anuncia o fim de uma década nefasta.