terça-feira, 6 de maio de 2008

O sentido anti-horário da vida - Por Gabriela Valente



Esse texto eu escrevi quando acabei de ler um livro chamado “O elogio ao ócio”, do filósofo inglês Bertrand Russell. Para mim ele tem as principais características de um grande pensador, dentre as quais ir além de seu tempo. E ele foi. Russell versou muito sobre o tempo, nosso tempo de trabalho e de lazer, e foi muito feliz nas considerações e nas previsões que fez sobre a nossa vida atual. Vamos lá!



Na sociedade como um todo, o trabalho é tido como um forte elemento para tornar o homem digno. Até exagerando, eu diria que o trabalho é o maior elemento para dignificar o homem. Um exemplo disso são aquelas pessoas que classificam outras que trabalham pouco de “vida boa”. E daí? Ninguém pode ter uma vida boa? Para sermos dignos temos que dar duro, suar o dia inteiro? Porém, o trabalho não é o principal objetivo da vida. Se fosse, as pessoas gostariam de trabalhar.


É incrível, desde que inventaram a frase dizendo que tempo é igual a dinheiro, as pessoas vivem pautadas no trabalho. O problema todo é que hoje, de tanto que se dedicam ao ofício, as pessoas acabam não tendo tempo para se divertirem, ou escolhem divertimentos passivos e monótonos por conta do cansaço. E como diz Russell, talvez se a situação não fosse essa, os indivíduos poderiam até usar o tempo livre em atividades de utilidade pública, e como não dependeriam dessas atividades para sua sobrevivência, não teriam a originalidade tolhida e nem a necessidade de se amoldarem aos padrões estabelecidos.


Outro ponto que gostaria de destacar é a tecnologia e o uso de máquinas. O computador, por exemplo, que veio para nos auxiliar, ao invés de reduzir nossas jornadas de trabalho, acabou aumentando. Todas as empresas vivem pautadas na produtividade, e se hoje com as máquinas podemos produzir o dobro no mesmo tempo, ninguém pensou em reduzir o tempo de trabalho pela metade e continuar produzindo a mesma quantidade que já era suficiente. Hoje, só se pensa em números, em mais e mais.


Olhem o sistema em que vivemos hoje: aos 3 anos já estamos na escola e aos 14 já começamos com a pressão do que vamos querer ser. Aos 17 escolhemos nossa profissão, aos 23 temos um diploma. Se continuarmos assim aos 60 já podemos nos aposentar. Com a expectativa de vida aumentando, temos mais 20 ou 30 anos pela frente. O que vamos fazer com esse tempo livre? Alguém sabe? Alguém foi preparado pra isso?


Deveríamos tentar mudar a nossa noção de tempo. Tanto o tempo que destinamos ao trabalho quanto ao lazer. É complicado, EU sei, mas estou tentando praticar o exercício do grande sociólogo italiano Domenico de Masi que defende o chamado “Ócio criativo”. Quem sabe em outro texto eu explico isso, pois agora vou me dedicar ao meu fazer nada... ZzzZZZ

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu tinha que comentar esse texto. Acho que vou fazer as pessoas ao meu redor lerem Russel para me entenderem melhor. Que ninguém venha dizer que o sistema escraviza e cria amarras e temos que nos submeter ao capitalismo selvagem ou, à margem, morreremos. Não é assim. O que ocorre é que as pessoas acham que prolongar essa breve vida é sinônimo de produzir mais, deixar um verdadeiro lastro de uma carreira bem sucedida. Não se iludam, queridos, até do maior ser vivo já existente, o dinossauro pryzetus, na era paleozóica, só nos resta, hoje, a unha do dedão do pé esquerdo. E olhem que ele fez muitos feitos em vida: praticamente deixou em extinção os hamstuzis, uma espécie de anfíbios, além de ter causado abalos sísmicos, em suas corridas, que mudaram a estrutura da terra. Só aludo ao nosso querido Dino para explicar que tudo passa, e o que importa não é o que fica, mas o que nós levamos daqui.. e se querem saber, quero é levar o gostinho da rede balançando no mesmo ritmo da onda e minha mão queimando sem querer largar a cerva estupidamente gelada em uma tarde de verão em que estou de bobeira. não me importaria se fosse nunca segunda de outono também. me sentiria mais viva ainda. como tudo na vida é perspectiva não é? nunca esqueço do dia em que ao voltar de uma reunião de trabalho às 11h pela Av. Boa Viagem parei o carro, tirei o blaser, o scarpam, comprei um coco e coloquei os pés na areia. Se as pessoas me olhavam torto, eu olhava de volta com uma cara gostosa, de puro ócio... Só não entendi porque elas ficavam mais irritadas, acho que porque eu só poderia estar na praias de duas maneiras: ou a lazer, com os devidos trajes, ou à trabalho, como ambulante ou gari. Esse meio termo incomodou, pois é aí que mora a liberdade. É aí que elas lembram que o sol continua aquecendo quando elas não estão nos seus escritórios. A liberdade incomoda quando é num mundo onde 'o homem é lobo do próprio homem' em que vivemos. Mas não pretendo incomodar mais não, agora já ando com um kit praia no carro, e agora que a prefeitura colocou aqueles razoáveis banheiros na orla tá tudo certo, continuem curtindo a segunda de praia, turistas e aposentados, que eu não conto que estou 'matando' o trabalho. Finjamos todos essas felicidade organizada. Risos. Me divirto é com os Outros.